Ponencia del Núcleo Pedagógico de Educación y Arte/ NUPEART- Universidad del Estado de Santa Catarina/UDESC
A CERÂMICA COMO MEIO TRANSFORMADOR
Aionara Preis Gabriel[1]
Este texto apresenta
algumas questões atreladas ao ensino da cerâmica e o curso de extensão
universitária oferecido pelo Núcleo Pedagógico de Educação e Arte – NUPEART,
através do Programa NUPEART Pro..Move no Centro de Artes – CEART da
Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC. O programa oferece, entre
outras ações, o curso de Modelagem e Preparação de Massas Cerâmicas para
Queimas Alternativas, onde diferentes pessoas da cidade se reúnem semanalmente
para conhecer e praticar cerâmica. Além deste curso, o programa conta entre
outros eventos com o Festival de Vídeos sobre Arte Cerâmica e o Festival de
Queimas Cerâmicas Alternativas. Os dois festivais contribuem com o conhecimento
e a prática, partindo da preparação da massa, maturidade do trabalho e finalização
com as queimas. Acompanhando os desdobramentos do contato do indivíduo com a
matéria, é possível perceber transformações pessoais que contribuem com o
autoconhecimento e novas relações a partir das experiências.
Palavras-chave: Cerâmica
e Ensino, Queimas Alternativas, Extensão Universitária.
O Núcleo Pedagógico de Educação e Arte - Nupeart tem como propósito integrar o conhecimento produzido
no CEART aos educadores, alunos e demais grupos interessados, a fim de
desenvolver interesse e sensibilidade pela arte. Como parte essencial da
pesquisa científica aplicada, formado pelo tripé acadêmico
pesquisa/ensino/extensão o programa busca dinamizar as produções artísticas com
a produção dos participantes, incentivando a criação, sensibilização e a
humanização das relações dentro deste ambiente técnico e científico que ali
predomina.
As atividades desenvolvidas pelo Programa Nupeart Pro...move permitem entre tantas possibilidades, a
realização de exercícios práticos em cerâmica capazes de revelar
potencialidades humanas até então dormentes.
Ao promover eventos que aproximam a comunidade externa do meio
universitário, as possibilidades de experiência e reflexão ampliam-se,
democratizando o acesso ao conhecimento.
São estas propostas que acercam o público e o privado, arte e vida,
material e imaterial da arte, dissipando o conceito de arte como objeto por
trocas de experiências, que dão subsídios consistentes para desdobramentos do
programa.
A Oficina
Ao refletir sobre o curso e eventos, é impossível não deixar uma
impressão pessoal sobre estas vivências. Comecei a participar em 2013 como
aluna da oficina Modelagem e Preparação de Massas Cerâmicas para Queimas Alternativas, ministrado e coordenado
pela Profª Rosana Tagliari Bortolin. Deste então participo de todos os eventos,
porém agora como bolsista.
Já, enquanto coordenadora
do programa e educadora reconheço na
docência, no caso da cerâmica, um campo de conhecimento específico. Entretanto,
percebo que este, está permeado de conteúdo de várias áreas de saber e do
ensino colaborando para o entendimento do sentido da existência humana. No que se
refere aos saberes docentes, Clermont Gauthier (1998), coloca que não é
suficiente conhecer o conteúdo, ter talento, usar o bom senso, seguir a
intuição, ter experiência ou cultura. Um ofício feito de saberes concebe um
sentido muito maior:
• Concebe os Saberes Disciplinares, aquele
que perpassa a matéria, o conteúdo da área de conhecimento, é o conteúdo que o
professor deve dominar para poder ensinar.
•
Concebe o Saber Curricular, onde o professor deve efetivamente conhecer o
programa que lhe servirá de guia para planejar e avaliar o processo de
ensino/aprendizagem.
•
Concebe o Saber da Ciência da Educação, que são os conhecimentos acerca de sua
profissão professor. Deve saber noções relativas ao sistema educacional,
conselho escolar e carga horária. Talvez tenha também uma ideia da evolução de
sua profissão, e domina determinadas noções de desenvolvimento da criança, as
classes sociais, os estereótipos, a violência entre jovens, a diversidade
cultural, etc. Em suma, possui um conjunto de saberes a respeito da escola que
é desconhecido pela maioria dos cidadãos comuns e pelos membros de outras
profissões (1998, p.31).
A realidade
do curso que ministramos, poderíamos afirmar que faz parte de um ensino
privilegiado, um tanto distante das problemáticas das escolas, uma vez que não
é um aprendizado obrigatório e sim eletivo. Apesar de atendermos crianças,
jovens e adultos de diferentes classes sociais, econômicas, profissionais e
culturais, ao mesmo tempo e no mesmo lugar, os Saberes Disciplinares,
Curriculares e os Saberes da Ciência da Educação, nos possibilitam proporcionar
um ambiente tranquilo com foco no exercício da criação e da sensibilização
através do conhecimento acerca das possibilidades que a cerâmica oferece.
Concordamos
com Pimenta (2000), quando afirma que os saberes pedagógicos perpassam um
entrelaçamento entre a experiência, o conhecimento e as necessidades pedagógicas
postas pela realidade da educação. Ao confrontar as ações práticas do cotidiano
com produções teóricas, é necessário que haja transformações efetivas (e
afetivas), sobre a consciência que se tem da própria prática educativa. O
professor é um sujeito transformador de realidades sociais e culturais, porém
nem sempre na prática esta transformação da sociedade (tão almejada), é
alcançada. Baixos salários, alta carga horária, falta de estímulo e incentivo
na produção intelectual, aumento do índice de violência nas escolas... Portanto,
segue-se o conceito sociopolítico do professor como “agente” transformador de
práticas sociais! A dissociação entre teoria e prática gera um empobrecimento
das práticas educativas nas escolas.
Para
Sacristán (1999), a prática é a forma de educar que ocorre em diferentes
contextos e instituições, assim a ação se refere ao sujeito. Para Zabala
(1998), a prática institucional obedece a múltiplos determinantes, entre estes
sociais e políticos que influenciam nas possibilidades metodológicas.
Para
Bortolin (2006), cada ação artística a priori pré-concebida, está sujeita a
modificação de acordo com o local e o público com que se depara. Para Cooper
(1981) a cerâmica revela fatos e hábitos do ser humano que dificilmente seriam
observados por outro material. Para Garraza, Barriuso, Garikano, Fernandes,
Landaluce (1998-2000) a terra foi um dos elementos utilizados pelo homem ao
longo da história para transformar e modificar suas condições ambientais,
sociais, culturais, econômicas e estéticas.
A Arte é uma disciplina, dada a sua
relevância, oferecida de modo reduzido durante a vida escolar. Nesse sentido, através
da extensão universitária procuramos suprir esta carência. Assim sendo, todo início de semestre oferecemos 30 vagas, sendo
que o número de interessados é sempre o dobro do número de vagas. A maior parte
do público faz parte da comunidade externa, leigos e iniciantes desta prática, isso
evidencia que cada vez mais as pessoas estão buscando a cerâmica pelo
conhecimento e ocupação, o que caracteriza a necessidade de mais projetos como
este, onde o conhecimento é adquirido pela troca de experiências. Logo no
primeiro dia da oficina é feito um mutirão para reciclar argila, nesta etapa
que envolve o preparo do barro, os participantes emergem neste contato direto
com a terra e no trabalho coletivo, dividindo as tarefas e colaborando com o
outro. Durante os encontros os trabalhos são desenvolvidos individualmente,
cada participante executa sua peça enquanto nós, professora e bolsista,
circulamos entre a turma conversando e orientando cada projeto. Como um dos
objetivos da oficina é aprender a composição de uma massa cerâmica refratária,
orientamos sobre a necessidade de preparar a argila com talco e chamote para
ter uma peça mais resistente ao choque térmico, capaz de suportar as variações de
temperatura provocadas pelas queimas alternativas. Os participantes devem
trabalhar algumas peças com esta mistura para posteriormente serem queimadas em
fornos rudimentares. Mostramos a possibilidade de escolher três misturas: 150g
talco industrial, 150g chamote, 1kg de argila; 100g talco industrial, 200g
chamote e 1kg de argila; 200g talco industrial, 100g chamote, 200g de talco
industrial e 1kg de argila.
Ainda no início do curso, principalmente quando a maioria dos
participantes nunca teve contato com a cerâmica, é proposta uma atividade de
sensibilização. Cada um deve produzir dez bolas de argila e colocá-las lado a
lado sobre a mesa. Em silêncio e com os olhos fechados, eles são orientados a
pegar uma dessas bolas e sentir a matéria, perceber a textura e a relação das
mãos quando a tocam, deixando os movimentos soltos sem intencionalizar uma
forma. Para cada bola de argila é cronometrado um minuto, totalizando em dez
minutos. Ao final da atividade, após todos falarem sobre a experiência, cada um
escolhe uma peça e a reproduz em tamanho maior.
As atitudes dos participantes variam consideravelmente, vão desde á
entrega total até o abandono. É possível perceber em algumas pessoas através do
seu semblante um momento de introspecção, o que afirma a singularidade do ser
humano. O principal fio condutor que percorre toda a oficina é a vida dos
participantes, que é partilhada através da criatividade e convivência. (Ver Anexo
– figura 1)
No decorrer do semestre é realizado o Festival de Vídeos sobre Arte Cerâmica,
um suporte essencial para a criação, onde é possível conhecer e se aproximar de
métodos de trabalhos de diversas culturas. Com divulgação nas mídias sociais,
meio acadêmico e comunidade externa, o evento costuma ter um público grande,
que interagem e trocam conhecimentos.
É impossível conter a curiosidade
e exaltação que acontece durante a exibição dos vídeos, ocasionando comentários
e conversas urgentes sobre costumes, lugares, técnicas e curiosidades. Mesmo
assim ainda há bastante assunto para o término da sessão e principalmente, as
possibilidades de criação e concepção da cerâmica são ampliadas.
O Festival de Queimas Alternativas, evento que acontece no final de cada
ano, é o que consolida todo o trabalho executado durante o ano. Feito durante
um final de semana de sol, várias pessoas mobilizam-se por um mesmo objetivo, a
construção dos fornos. Logo no início da manhã do sábado, sem que ninguém exija,
as pessoas vão se organizando e aos poucos os trabalhos são divididos. Não há
hierarquias, quem já possui certo conhecimento repassa para quem não tem,
construindo de tijolo em tijolo relacionamentos que se somam.
Os tipos de fornos construídos em cada evento variam a cada ano, é
preciso experimentar novos modelos para estabelecer parâmetros. Alguns são
mantidos pela eficácia e resultados, como o forno de tijolos com carvão e o de Raku.
O forno construído com tijolos furados é o mais acessível e tem apresentado
excelentes resultados. No chão é feito uma “cama” de tijolos dispostos lado a
lado, a largura varia com a quantidade e tamanhos das peças. Nas laterais,
colocamos argila e as fendas são vedadas obstruindo qualquer entrada de ar,
para que não tenha perda de calor. Em seu
interior, camadas de carvão são intercaladas com as peças cruas que foram
preparadas durante o ano com a massa cerâmica acrescida de talco e chamote. São
erguidas algumas prateleiras com pedaços de ferro de construção para que durante a queima as peças não caiam sobre as
outras. Estas peças são colocadas próximas uma da outra com carvão em volta e
se possível em seu interior, sempre respeitando o peso, mais pesadas embaixo,
mais leves em cima. Além da praticidade e do baixo custo, este forno atinge temperaturas
altas, deixando característica metalizada nas peças. (Ver Anexo - figura 2)
Outros fornos construídos como o de papel com formato semelhante a um
formigueiro é também um forno acessível financeiramente, de fácil execução, que
exige a cooperação do trabalho em grupo e quando ateado o fogo, esse fornece um espetáculo de luzes e dança, como uma
escultura viva incandescente.
Todo o encantamento presente neste evento, da consolidação da cerâmica
pelo fogo, do cooperativismo entre os participantes, da construção dor fornos
por nossas mãos e da destruição pelo fogo, das receitas de comida e risadas partilhadas,
são saberes e trocas que tornam este evento importante para os participantes e
para o fortalecimento da cerâmica em Florianópolis. (Ver Anexo - figura 3)
Outros desdobramentos
Este
ano, além da Oficina de Preparação de Massas para Queimas Alternativas,
festival de vídeo e de queima, o NUPEART Pro...Move ofereceu mais duas opções
de prática e conhecimento sobre cerâmica.
Idealizado pela Profª de cerâmica da UDESC Luciane Garcez, duas turmas para
prática de cerâmica de torno elétrico foram abertas. O curso é ministrado voluntariamente
pela ceramista Rosângela Rosa, que se dispôs em compartilhar seus conhecimentos
de cerâmica de torno.
O
número de interessados em praticar cerâmica vem crescendo expressivamente nos
últimos tempos e conforme as pessoas vão imergindo com a prática, dúvidas e
curiosidades vão surgindo, estas, relativas ao comportamento e influências que
a cerâmica sofre em todas as etapas. Diante desta necessidade, foi criado o
grupo de Estudos sobre Cerâmica que tem como coordenadora
a bolsista Aionara Preis Gabriel. São encontros quinzenais com até duas horas
de duração onde um determinado assunto é debatido. Dividido em cinco módulos:
Matérias Primas; Secagem; Queimas; Revestimentos e Massas, os conteúdos são
estudados por todos e debatidos nos encontros.
Durante
o primeiro trimestre o módulo I, Matérias Primas, foi estudado com maior
intensidade, isso porque um dos participantes possui formação em Geologia e
ofereceu suporte técnico para o desenvolvimento de alguns testes com diferentes
tipos de argila. (Ver Anexo - figura 4)
No
grupo de Estudos Sobre Cerâmica, não há o professor que ensina e os alunos que
absorvem o conteúdo. Entende-se que os participantes tem interesse em conhecer
melhor a argila com que trabalham e isso é o impulso para a pesquisa e o compartilhamento
dos saberes. Junto com a parte teórica estão previstas algumas práticas, como por
exemplo, a reforma e queima do forno a lenha da UDESC. Os conteúdos são alternados
de acordo com o interesse e a necessidade dos participantes.
Na
cerâmica artística artesanal é comum ouvir dizer que
o ceramista não possui o total domínio da matéria e que deve acostumar-se ao
acaso. De certa forma é isso que acontece, o ceramista está ciente das
intempéries que a cerâmica pode sofrer. No entanto saber identificar as
mudanças e problemas ocorridos em cada etapa, contribui para o entendimento e
desenvolvimento do seu trabalho, podendo utilizar estes fatos ao seu favor.
Através do “alfabetizar” sobre a arte cerâmica
é que se estabelece e fortalece o apreciar do fazer cerâmico. Assim sendo, é a
somatória da troca de saberes entre os participantes de todos os cursos e
eventos que nos entusiasmam para seguir com o Programa de Extensão
Universitária NUPEART Pro...move em prol da propagação da arte cerâmica.
Bibliografia
BORTOLIN, R. T. (2006). Ninho Casa e Corpo. Dissertação de
Mestrado, Escola de Comunicação e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo,
Brasil.
COOPER, Emmanuel (1981). Historia de la Cerâmica. Barcelona: CEAC.
GARRAZA, A; BARRIUSO, S.G.;
GARIKANO, J. A.; FERNANDEZ, N.; LANDALUCE. S. (1998-2000). Crudo Quemado. Facultad de Bellas Artes, Depto de Escultura,
Universidad del Pais Vasco.
GAUTHIER, C. (1998). Por uma teoria da Pedagogia. Pesquisas
Contemporâneas sobre o saber docente. Ijuí, Unijuí.
PIMENTA, S. G. (2002). O estágio na formação de professores:
unidade, teoria e prática. 5ª ed. São Paulo: Cortez.
SACRISTÁN,J.G; GÓMEZ, A.I.P.
(2000). Compreender e transformar o
ensino. 4ª ed. Porto Alegre: Artmed.
ZABALA, A. (1998). Prática educativa: como ensinar. Porto
Alegre: Artmed.
Aionara Preis Gabriel, (Criciúma, 1989). Técnica em Cerâmica
Artística Artesanal pela Associação
Beneficente da Indústria Carbonífera de Santa Catarina, Criciúma;
Bacharel em Artes Visuais pela UDESC; Licenciatura em Artes Visuais em
andamento pela mesma instituição; professora da Oficina de Artes do Centro de
Referência de Assistência Social, Florianópolis; Bolsista do programa Nupeart
Pro...move. Já trabalhou com restauração de arte sacra e educação em espaços
culturais.
CURRICULUM ARTÍSTICO
Rosana Bortolin, (Passo Fundo, Brasil, 1964).
Licenciada e Bacharel em Desenho e Plástica; e, Especialista em Cerâmica-
Universidade de Passo Fundo-RS. Mestre em Poéticas Visuais- Escola de
Comunicação e Artes - ECA /USP. Doutoranda em Escultura na Universidade do País
Vasco-UPV, Espanha, estágio doutorado europeu FBAUL, Lisboa, Portugal.
Professora no Centro de Artes da Universidade do Estado de Santa Catarina -
UDESC, em Florianópolis/SC, Brasil. Expõe regularmente desde 1984.
Série Desenvolvidas com a realização de Exposições Individuais: Ovóides,
Guardiões, Alguidares, Habitar Ninhos e Profano-Sagrado, onde realiza micro
intervenções pelos lugares por onde percorre.
Coordenadora do Espaço Oficina - Galeria Estúdio.
Coordenadora do Programa NUPERAT Pro...Move do
CEART/UDESC.
Membro da Comissão Cultura da Franklin Cascaes, Florianópolis/SC.
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