Ponencia de Mariana de Araujo Alves da Silva, Instituto de Artes de la Universidad del Estado de San Pablo /UNESP
A CERÂMICA SARAMENHA E
O ESPAÇO NÃO FORMAL DE ARTE/EDUCAÇÃO
Mariana de Araujo Alves da
Silva[1]
Instituto de Artes/UNESP - São
Paulo, Brasil. Abril de 2016.
RESUMO: Este artigo apresenta a
pesquisa realizada em meu Trabalho de Conclusão de Curso “Cultura local na
arte/educação: a oficina artesanal da Cerâmica Saramenha”, destacando o aspecto
histórico da Cerâmica Saramenha e a atual retomada da técnica a partir de
Mestre Leonardo, refletindo sobre o ensino de artes em um espaço não formal e
propondo o fortalecimento da arte e da cultura local de Ouro Branco/MG,
estendendo-se assim também, como parte da cultura brasileira.
PALAVRAS-CHAVE: Cerâmica Saramenha. Cultura local. Espaço não formal de
educação.
RESUMEN: Este
artículo presenta la investigación realizada en mi Trabajo de Conclusión de
Curso "Cultura local en el arte/educación: el taller artesanal de la
Cerámica Saramenha", que destaca el aspecto histórico de la Cerámica
Saramenha y la actual reanudación de la técnica a partir del Maestro Leonardo,
reflexionando sobre la enseñanza de las artes y de la cultura local de Ouro
Branco/MG y que se amplia también, como parte de la cultura brasileña.
PALABRAS-LLAVE: Cerámica Saramenha. Cultura local. Espacio no-formal de educación.
Ponente en el Museo Nacional de Colombia, Bogotá- Colombia. Foto: Michelle Avila Grismaldo-Cerámica Amarilla
Este artigo apresenta a
pesquisa realizada em meu Trabalho de Conclusão de Curso “Cultura local na
arte/educação: a oficina artesanal da Cerâmica Saramenha”, apresentado e
aprovado no fim do ano de 2015. Destaca-se um breve histórico sobre a Cerâmica
Saramenha e apresenta-se a atual retomada da técnica a partir de Mestre
Leonardo com o projeto da Oficina de Cerâmica Saramenha Mestre Bitinho. Assim, é
proposta uma reflexão sobre o ensino de artes em um espaço não formal, com a
intenção de fortalecer a arte e a cultura local de Ouro Branco/MG,
estendendo-se assim também, como um aspecto da cultura brasileira.
Um
breve histórico.
A Cerâmica
Saramenha é a louça desenvolvida em Minas Gerais no fim do período colonial
brasileiro e início do século XIX, cujo vidrado é constituído de chumbo e
óxidos metálicos e sua queima é realizada em baixa temperatura. Segundo Lage (2010) e Sena
(2007), a Fábrica de Cerâmica Saramenha instalouse na região de Vila Rica,
atual cidade de Ouro Preto, no início dos anos 1800, na localidade da chácara
Saramenha, pertencente ao cirugiãomor Antônio José Vieira de Carvalho. Esta manufatura teria
existido até o final do século XIX.
A técnica de fabricação da louça foi trazida para o Brasil de Portugal
através do Padre José Joaquim Viegas de Menezes (Lage, 2010, p.28). As peças de
Cerâmica Saramenha do século XIX consistiam em pratos, sopeiras, bilhas para
água, vasos, potes, canecas, bules, entre outros tipos de utensílio. Sobre as impressões
dos viajantes estrangeiros Auguste de Saint-Hilaire e John Mawe sobre a
cerâmica de Ouro Preto, Manuel Bandeira (1963) diz:
Tanto êle [Saint-Hilaire] como Mawe falam com interesse da manufatura
local de faiança. O francês elogia a forma dos vasos e aponta como defeito o
verniz demasiado espesso. Para êle a fábrica de Vila Rica acabaria rivalizando
com as da Europa, se os habitantes do país, “escutando a honra e o interesse,
quisessem fazer esforços para sustentar aquela manufatura”. Parece que os
habitantes não escutaram nem honra nem interesse... A manufatura desapareceu.
No entanto os mineiros dispõe de uma terra de porcelana que a Mawe se afigurou
superior à empregada em Sèvres. Ela provinha do morro de Santo Antônio, perto
de Congonhas do Campo. Saint-Hilaire notou com espanto que os mineiros, apesar
de orgulhosos de sua pátria, não falavam senão com desprezo da única manufatura
que possuíam e cujos defeitos exageravam. (p.23)
John
Mawe (1978), viajante inglês que esteve no Brasil no período de 1807 a 1811, relatou
sua experiência de observação à técnica de fabricação da louça de Vila Rica.
Lavava-se o barro em estado bruto, sem misturas, para retirar possíveis
impurezas e, após um período de secagem da massa, esta já em boa consistência,
era colocada sobre a roda[2].
Em um segundo momento, as peças eram cobertas de verniz espesso, considerado
excelente por Mawe. Os fornos não possuíam chaminé – construía-se uma abóbada
baixa com saídas de ar, que consumia muito combustível e não produzia grande
calor, levando a queima a atingir temperaturas máximas de 1000oC.
Em 28
de janeiro de 1808, o príncipe regente Dom João de Portugal promulgou, em
Salvador, o Decreto de Abertura dos Portos às Nações Amigas. Lage (2010, p.41)
aponta que com este decreto, muitos artigos estrangeiros puderam adentrar o
Brasil com facilidade. Houve, então, um acréscimo no consumo de louça inglesa,
pois era considerada pelos brasileiros de qualidade superior às existentes em
manufaturas nacionais, e possuía valor comercial competitivo. Sem a valorização
da louça Saramenha e a melhoria em seus processos de produção, a fábrica perdeu
clientela para o produto estrangeiro.
A
primeira manufatura de Minas desapareceu no fim do século XIX, mas sua técnica
e forma continuaram a ser reproduzidas em localidades próximas, possibilitando
assim o surgimento da Saramenha de Mestre Bitinho, já em meados do século XX,
na cidade de Ouro Branco. Desde tempos anteriores à instituição da Fábrica de
Cerâmica Saramenha, ofícios como oleiro e louceiro eram repassados de pai para
filho, de modo a cultivar a tradição dentro das famílias por várias gerações.
Em 1918, nasce Silvestre Guardiano Salgueiro, o Mestre Bitinho. Na década de
1960, o marchand paulista Paulo Vasconcellos escreveu sobre peças de Saramenha
que havia encontrado em um antiquário carioca: eram peças do Mestre. Em 1995,
Bitinho, que expunha e vendia suas peças em feiras de artesanato locais, expôs
em Belo Horizonte, ao lado das peças de Cerâmica Saramenha da coleção de Ângela
Gutierrez. Mestre Bitinho morre em 1998, entretanto, garante o seu legado.
Menino por volta de seus 15 anos, Leonardo Ricart dos Santos não possuía
parentesco com Silvestre Guardiano Salgueiro. A partir da década de 1980,
Leonardo, também residente em Ouro Branco, tomou aulas com o Mestre, convivendo
com ele e aprendendo a técnica da Cerâmica Saramenha. Leonardo tornouse seu
discípulo, e passou a também desenvolver a técnica cerâmica.
Figura 1. Cerâmicas Saramenhas de Mestre Leonardo. Registro da autora a partir de
acervo pessoal de Leonardo Ricart dos Santos.
A Cerâmica
Saramenha em nossos dias.
A
tradição da Cerâmica Saramenha está sendo preservada através das mãos de Mestre
Leonardo, artista e artesão da Saramenha aprendida com Mestre Bitinho há mais
de vinte anos. Atualmente, desenvolve o projeto Oficina de Cerâmica Saramenha
Mestre Bitinho, em Ouro Branco, com o apoio da Gerdau Açominas, no qual
ministra oficinas sobre a técnica para a comunidade local. A oficina artesanal
de Mestre Leonardo constituise um importante espaço não formal do ensino de
artes na cidade de Ouro Branco e na região. Através dessa oficina, podemos
refletir sobre o universo artesanal da tradição como uma possibilidade para o
campo do ensino e aprendizagem da arte.
A
Cerâmica Saramenha é um elemento bastante importante para a região de Ouro
Preto e Ouro Branco, pois registra em sua forma histórias sobre a sociedade da
época na qual surgiu, como questões econômicas e culturais, e ganha espaço na
história do Brasil como uma de nossas primeiras manufaturas, incrustada em meio
às montanhas de uma Minas Gerais colonial. Atualmente, a Cerâmica Saramenha tornou-se
objeto de arte. Essa mudança de ponto de vista implica em mudanças para a sua comunidade
produtora. A observação e sistematização da trajetória de Mestre Leonardo em
Ouro Branco é uma forma de contribuir para a compreensão da Cerâmica Saramenha
como elemento cultural e artístico desta região, bem como da cerâmica
brasileira, além de discutir o papel da oficina artesanal como possibilidade do
ensino de artes em nossos dias.
A Oficina de Cerâmica Saramenha Mestre
Bitinho.
A
primeira visita à Oficina de Cerâmica Saramenha Mestre Bitinho, em Ouro
Branco/MG, aconteceu em março de 2015 e a segunda, em junho do mesmo ano. Para
a pesquisa relacionada ao Trabalho de Conclusão de Curso, considerou-se na metodologia
a possibilidade permanente de transformação da própria pesquisa e o
estabelecimento de novas relações a partir dessas mudanças, esboçando hipóteses
decorrentes de traçados históricos anteriores sobre a Cerâmica Saramenha feitos
por Sena (2007), Pereira (2014) e Lage (2010), os quais escreveram sobre os
caminhos da louça através dos séculos XIX e XX. O método dialético do trabalho
permitiu investigar desdobramentos atuais da Cerâmica Saramenha a partir desses
traçados anteriores e, ir além, confrontando ideias e mantendo o compromisso
com o objetivo da pesquisa, a qual se propunha a documentar e analisar o
trabalho de arte/educação na oficina artesanal de Mestre Leonardo, realizando,
assim, uma sistematização do trabalho da Oficina de Cerâmica Saramenha Mestre
Bitinho em Ouro Branco. A documentação e análise realizou-se através de registros
fotográficos e em vídeo, registros de voz, entrevistas e anotações em diário de
campo. Estas ferramentas permitiram estabelecer uma relação direta com os alvos
da pesquisa - Mestre Leonardo e seus alunos; e a partir disso, reportar o que
foi observado, conversado, analisado. O material documentado, bem como, as
respectivas análises, foram organizadas no Trabalho de Conclusão de Curso
referente à modalidade licenciatura do curso de Artes Visuais do Instituto de
Artes da UNESP, de título “Cultura local na arte/educação: a Oficina de
Cerâmica Saramenha Mestre Bitinho”, apresentado e aprovado no fim do ano de
2015.
A cerâmica dá-se pela repetição das
formas.
A
continuidade no ensino da Cerâmica Saramenha é importante na medida que
preserva sua própria técnica e história, além de tornar-se instrumento do
ensino e vivência em artes na localidade. Este aprendizado fortalece a cultura
e a arte desta comunidade, que percebe a si como produtora de seus símbolos e aspectos
culturais.
O
espaço não formal da Oficina de Cerâmica possibilita a retomada a uma discussão
de um aspecto cultural, adormecida nesta comunidade. Em conversas informais com
moradores da cidade, foi percebido que muitos não conheciam a Saramenha, e dos
que conheciam, muitos a julgavam sem valor. Esta iniciativa de viés não formal
também fortalece a educação formal. A Oficina de Cerâmica Saramenha recebe
escolas para vivências em seu espaço, onde se aborda a história da louça desde
sua concepção até o desenvolvimento na cidade através da arte de Mestre
Bitinho, e atualmente, através de Mestre Leonardo. Dessa forma, os estudantes tomam
consciência do que sua comunidade já foi e ainda é capaz de produzir simbolicamente,
contribuindo assim, para a formação de elementos locais de arte e cultura.
LISTA DE REFERÊNCIAS
Bandeira, Manuel.
(1963). Guia de Ouro Preto. Rio de
Janeiro: Ministério de Educação e Saúde.
Bardi,
Pietro Maria. (1980). A arte da cerâmica
no Brasil. São Paulo: Banco Sudameris Brasil.
Instituto Cultural Banco do Desenvolvimento de
Minas Gerais - BDMG Cultural. (1995). Cerâmica
Saramenha: Patrimônio Mineiro. [Folheto]. Belo Horizonte, BDMG Cultural.
Lage, Paulo Venâncio Ayres. (2010). Cerâmica Saramenha – A primeira manufatura
de Minas Gerais. Belo Horizonte: Palco.
Mawe,
John. (1978). Viagens ao interior do
Brasil. São Paulo: USP. Belo Horizonte: Itatiaia.
Pereira, Maria Suely Rufino. (2014). Os mestres de ofício e o ensino da Cerâmica
Saramenha em espaço não formal. (Monografia para especialização em Ensino de
Artes Visuais, Escola de Belas Artes, Universidade Federal de Minas Gerais,
Belo Horizonte, Brasil).
Santos, Leonardo Ricart dos. (2012). Projeto Oficina Escola Cerâmica Saramenha
Mestre Bitinho. [Apostila digitada]. Ouro Branco, Oficina de Cerâmica Saramenha
Mestre Bitinho.
Sena, Tatiana da Costa. (2007). O
consumo de louças estrangeiras e produção artesanal de louça vidrada em Vila
Rica (1808-1822). (Monografia para obtenção do bacharelado em História,
Instituto de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Federal de Ouro Preto, Mariana,
Brasil).
Silva, Mariana de Araujo Alves da. (2015). Cultura local na arte/educação: a oficina artesanal da Cerâmica
Saramenha. (TCC para obtenção da licenciatura em Artes Visuais, Instituto
de Artes da UNESP, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, São
Paulo, Brasil).
Mariana de Araujo Alves da Silva
é ceramista, arte/educadora e graduanda em bacharelado e licenciatura em Artes
Visuais pelo Instituto de Artes da UNESP, em São Paulo, Brasil. Tem
desenvolvido pesquisas nas áreas de arte, educação e cerâmica. Ao fim de 2015, apresentou
o trabalho de conclusão de curso “Cultura local na arte/educação: a oficina
artesanal da Cerâmica Saramenha”, sob a orientação da profª Drª Geralda Mendes
F. S. Dalglish como parte dos requisitos para a obtenção do título de Licenciada
em Artes Visuais. Atualmente, desenvolve o projeto Cerâmica e o sagrado
feminino, como caminho para a realização do trabalho de conclusão de curso do
Bacharelado em Artes Visuais, também na UNESP. mariaraujoas@gmail.com
Atualizado em 27/04/2016.
[1]Nasceu em 1992. Vive em São Paulo, local onde
elaborou este artigo. É graduanda em Licenciatura e Bacharelado em Artes
Visuais na Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – UNESP. - mariaraujoas@gmail.com
[2] Nome português dado ao maquinário que no Brasil chamamos de torno.
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